No domingo a noite, tudo ia muito bem, até que uma conjuntivite horrível resolveu me visitar. Segunda-feira, quando acordei de manhã, não conseguia enxergar nada que acontecia do lado direito do (meu) mundo, e não demorou muito para uma onda de mau-humor invadir minha praia.
Logo eu, que gosto tanto de ter certeza de tudo ao meu redor, estava conseguindo distinguir pouquíssimas coisas que aconteciam.
Lembrei então da minha avó que, com 80 anos, perdeu boa parte da visão "graças" a uma cirurgia mal feita, e agora, confunde os membros da nossa família com uma facilidade tremenda, uma junção entre a idade que avançou e a visão que regrediu.
Ainda assim, com uma porcentagem incrivelmente grande da visão comprometida, ela consegue saber que eu engordei muito desde a última vez que nos vimos, ainda acerta o ponto da batata refogada e não deixa a carne queimar. Ainda assim ela vai ao mercado todos os dias e leva sua Poodle para passear. Se aquela minha alemã miudinha consegue, por que eu não iria conseguir? Era só um dia, diferente dela, que está condenada a viver sem ver com certeza o mundo ao seu redor até o seu último dia, parece bem mais complicado.
Uma vez, meu pai me disse que pouco antes da cirurgia que tirou a visão da minha avó, os dois conversaram sobre o assunto, e a resposta dele quando ela perguntou "e se algo der errado lá?" foi: - Tudo bem mãe, a senhora sempre enxergou com os olhos da alma.
E ele simplesmente resumiu toda a minha discussão sobre o assunto, é esse o motivo pelo qual ela continua fazendo tudo como se não houvesse nada a impedindo, no seu ponto de vista, nada mudou, o jeito que ela vê o mundo é o mesmo.
Na hora, eu não pensei nisso, acho que ainda não aprendi a ver uma segunda-feira com os mesmos olhos que minha avó e procurei a solução mais rápida e simples para o meu problema do momento. Logo a onda de mau-humor foi embora junto com a vermelhidão do meu olho, assim que algumas gotas de colírio fizeram efeito. Uma pena eu não ter feito essa reflexão sobre o modo como vemos o mundo antes, mas acho que o problema mora aí, a gente percebe que perdeu uma grande sacada quando o momento passa. Será que passou? Ainda não vi, não pinguei o colírio hoje...
Muito bom o texto, realmente para refletir...
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